Concurso Público Nacional de Arquitetura para o Memorial às Vítimas da Kiss


Concurso: Concurso Público Nacional de Arquitetura para o Memorial às Vítimas da Kiss

Projeto desenvolvido para o Concurso Memorial às Vítimas da Kiss

LEMBRAR, ABRAÇAR E ACOLHER
Um pequeno lote destinado a se tornar um marco. Por fazer parte de um conjunto consolidado da malha urbana, as edificações lindeiras conformam uma moldura desconexa para o terreno. A primeira intenção de projeto foi a de abraçar o espaço com uma grande casca nas suas divisas a fim de reduzir a força do entorno dentro do lote e de criar um plano de fundo para o conjunto arquitetônico. O desnível da Rua dos Andradas é um convite para que o conjunto se desenvolva em diferentes níveis, e ele foi aceito. O programa de necessidades foi divido entre subsolo, térreo e segundo pavimento.

O subsolo é acessado através da porção nordeste da testada. Escada e rampa conduzem os usuários a uma praça parcialmente coberta. Este pavimento é ocupado por loja, salas de uso administrativo, auditório e ambientes de apoio. A intenção foi aproximar o ambiente comercial do fluxo do passeio, integrá-lo ao auditório e criar um foyer amplo e fluido.

Na porção noroeste, o usuário acessa a grande praça do memorial. Deixar este pavimento livre de edificação torna a área de contemplação maior e mais livre possível e permite que o volume do memorial paire em destaque.

No espaço livre, dois planos paralelos que se desprendem do solo e se projetam para o firmamento, representam a vida. A vida, podemos pensar, deveria ter sua representação em um plano único, porém, neste local, ela foi rompida e interrompida. Existe um antes e um depois, por isso, vemos dois planos paralelos. Por mais que busquem o infinito do céu, nunca se encontram. Uma parte está demolida e não poderá ser consertada. A fenda criada pela tragédia nunca desaparecerá. Nem da história da cidade, nem da arquitetura da memória. A fenda, ao tocar o solo, vira uma grande linha escura que percorre pisos e paredes, cortando tudo por onde passa. É preciso olhar a marca negra.

O volume que abriga a sala do memorial é monolítico. Um paralelepípedo branco, apoiado em pilares e com balanços que proporcionam tensão para a composição. A fenda preta, sua mácula, sinaliza um antes e um depois do profundo escuro da noite de 27 de janeiro de 2013. Os nomes das 242 vítimas estão gravados em baixo relevo na casca de concreto branco. Após a fenda, apenas uma empena vazia, o silêncio da ausência.

Internamente, a porção frontal, dedicada ao memorial, é uma sala ampla e minimalista. Projeções nas paredes deverão contar a história da tragédia assim como a biografia das vítimas. Um grande banco central convida o visitante a sentar e a refletir. Na parede do acesso, um painel de madeira comporta telas interativas que mostrarão o acervo da tragédia. Neste pavimento, na porção posterior, está localizada a sala multiuso, com aberturas para o jardim linear.

A cor branca predomina no projeto tornando a presença do conjunto suave, apesar de forte. Pedra portuguesa no piso, concreto branco, alvenaria pintada em branco. Para onde quer que se olhe, luz. O preto, como detalhe, representa a tragédia, as vidas tiradas, a cisão da vida que continuou. Para esse elemento, foi escolhido o basalto flameado, uma das rochas mais resistentes à ruptura. O vidro faz o fechamento da recepção do memorial, do espaço comercial e das salas administrativas e também aparece nos guarda-corpos. A madeira é o material que entra na composição interna em painéis e revestimento de forro e piso dos ambientes principais, como forma de tornar os espaços acolhedores.

O paisagismo é sutil. Na praça do memorial utilizou-se grama esmeralda, capim texas verde, árvores liquidambar e ácer e lírio da paz. No jardim linear do fundo do lote, pela sua verticalidade, uma sequência de álamos vela dá ritmo e verticalidade a esse espaço. As espécies de vegetação escolhidas tem como característica a estacionalidade. Elas mudam as cores, secam, perdem as folhas, representando a passagem do tempo e as mudanças impostas, sobre as quais não temos controle.

O ângulo utilizado para ampliar o acesso da praça do subsolo, tornou-se a orientação para a identidade da paginação dos espaços abertos. Linhas em ângulo derivam dessa intenção e conformam canteiros, calçadas, orientam a posição dos bancos e são reforçadas por luminárias lineares de solo.

Os fechamentos do conjunto funcionam de maneira distinta. No subsolo, uma cortina metálica isola a praça a partir do fim da rampa de acesso e outra cortina fecha o acesso ao jardim de fundos através do foyer. No pavimento térreo, o fechamento do acesso ao memorial é feito por painéis de vidro.

O edifício atende toda a legislação pertinente, desde o regramento urbanístico do município, passando pelas questões de acessibilidade e de prevenção de incêndio.

Trata-se de um edifício cheio de identidade e de simbolismos. Materiais, cores, texturas, vegetação e iluminação unem-se para uma composição final coesa e cheia de sentido. Escolhas arquitetônicas que buscam representar a memória de um momento que nunca deveria ter existido. Um marco de dor, uma forma de resistência. Lembrar, abraçar e acolher. Os três verbos que foram materializados nesta proposta. Os três verbos que nunca poderão deixar Santa Maria, para que NUNCA MAIS SE REPITA.

Lineastudio + Venturo
Equipe de Projeto: Zé Barbosa, Luara Mayer, Lísian Ceolin, Roberta Noal,Ronald Jung, Giana Sperotto, Vinicius Farias e Isadora Daltrozo
Colaboradores: Verônica Viero e Paulo Márcio Ferrony
Consultores: Francele Kessler